Chernicharo: "O primeiro desafio vocês estão vencendo" |
A Companhia Águas de Joinville acompanhou o engenheiro Carlos Augusto de Lemos Chernicharo em visita a Joinville, onde o cientista participou da 9ª edição da Feira do Livro. Na noite de 16 de abril, Chernicharo proferiu palestra para engenheiros, técnicos e estudantes de engenharia no teatro Juarez Machado, intitulada “Avanços e Desafios no Tratamento de Esgoto”. O palestrante é doutor em engenharia ambiental pela Universtiy of Newcastle Upon Tyne – Inglaterra e, em 2008, fez pós-doutorado na Austrália. Atuou na iniciativa privada, foi consultor e responsável por inúmeros projetos de implantação de sistemas de esgoto. Em 1991 entrou na UFMG como professor adjunto, e atualmente é professor associado e encerra, em meados de maio, a chefia de departamento do curso de engenharia sanitária ambiental. Em uma conversa na sede da Companhia Chernicharo falou, entre outros assuntos, sobre a evolução do saneamento básico no país em dez anos.
O senhor tem quantos trabalhos publicados?
Um livro de autoria exclusiva sobre reatores anaeróbios com duas edições, de 1997 e 2007. A de 1997 foi o segundo livro lançado nessa área no Brasil, que veio tentar consolidar uma parte do conhecimento que estava dispersa. Na época, havia pouquíssimas fotos para ilustrar os livros, eram pouquíssimos os sistemas em escala mais significativa em operação. Já na segunda edição, ampliada e revisada de 2007, foi impressionante o avanço que o Brasil conseguiu em 10 anos. É um livro com exemplos, aplicações, fotos, ilustrações, uma riqueza muito maior. Além desse livro exclusivo, participei da organização de 3 ou 4 livros, junto com outros colegas. Publiquei 50 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais, a maioria em revistas internacionais, e cerca de 200 trabalhos em congressos.
Ontem, em sua palestra, o senhor contou um pouco da história do ser humano e sua relação com seus dejetos, e sua saúde. Para onde caminha a humanidade?
Para a reciclagem, reúso, minimização, ou seja, uma maior sintonia com os processos naturais. O que é o esgoto hoje? No sistema a convencional, na maioria das cidades, 99,9% é água; 0,1% são sólidos. O uso que a gente faz da água das nossas casas, principalmente, é como veículo de transporte de impurezas. Então, um bem natural escasso, que é a água, caro de se produzir hoje em dia, é usado para conduzir resíduos. Quando chega a uma estação de tratamento de esgoto, você tem que separar esse 0,1% e retornar a água mais limpa possível ao curso de água, ou ao seu reúso.
Então é muita água para pouco esgoto?
É um sistema que se questiona muito hoje. Você adiciona muita água para transportar impurezas, e essas impurezas, se você fizer uma análise criteriosa, vêm da terra, do solo. Por exemplo, o óleo de cozinha. De onde vem o óleo de cozinha? Vem da soja, do milho. Onde estão plantados a soja e o milho? No solo. Então, você está retornando um material que vem da terra para o rio, esse ciclo não fecha.
E como fazer para fechar esse ciclo?
A lógica está em você retornar essas impurezas para o próprio solo, para a agricultura, por exemplo. O que chegou puro na sua mesa de cozinha está voltando hoje misturado com fezes, patógenos. Esses resíduos teriam que passar por uma etapa de higienização para poder ser aplicados na agricultura com segurança. Há nitrogênio, fósforo, fertilizantes que as plantas precisam. Tem matéria orgânica que ajuda a recompor essa matriz do solo, que tem um efeito muito melhor que o fertilizante puramente químico, que lixivia pelo solo muito rapidamente. A planta acaba incorporando pouco, e você pode criar danos no lençol freático. O fertilizante que chega via lodo, via resíduos do esgoto, fica retido na matriz do solo, e libera os nutrientes de uma forma muito mais compatível com a absorção pelas plantas. Imagina se você fizer em sua própria casa, se cada pessoa pudesse fazer essa reciclagem na sua própria residência, em que se pudesse segregar os efluentes, aproveitar o nitrogênio da urina na sua horta, as fezes para produzir biogás. Então o que você estaria gerando de resíduo para o rio? Nada.
Seria a casa inteligente, a casa do futuro...
É, mas o modelo de planejamento, de urbanização, é um modelo que todo mundo questiona. As ruas não comportam mais a quantidade de veículos. E a cidade com mais espaço, num modelo mais horizontal, traz grandes benefícios à área ambiental. Final de semana meu filho de 6 anos sempre me ajuda a fazer composto na minha chácara; a gente pega os restos de frutas, cascas de legumes, corta em pedaços pequenos, mistura com pedaços de madeira, de galhos, e toda semana a gente vai fazer o revolvimento para virar adubo. Eu acho que a gente tem que apostar na criançada, nos jovens, na educação. Eles estão vindo com a cabeça diferente.
Comparando o Brasil de dez anos atrás e de hoje, nós avançamos no saneamento?
De uma maneira assustadora, impressionante. Na universidade a gente tem isso muito claro na pesquisa, na questão da ciência e tecnologia. O Brasil nunca teve tanto dinheiro nas universidades e centros de pesquisa como teve nos anos Lula. Hoje o Brasil é um modelo na área de esgoto, a gente exporta tecnologia adequada a nossa realidade. O clima é diferente, o nível de qualificação é diferente. Não dá para importar um modelo de país desenvolvido e querer usar aqui, não funciona. São vários exemplos de estações mecanizadas, sofisticadas, SP, Rio, estações que não recebem o esgoto, fizeram grandes, enormes elefantes brancos, e acabaram metade ociosas, os equipamentos que quebram não têm reposição. Então as universidades deram uma contribuição muito grande, trabalhando em redes cooperativas de pesquisa, nessa lógica de que a gente tinha que ter independência na área de água, de esgoto, de lixo.
Estamos no caminho certo?
Eu acredito, tenho muita confiança nisso. Houve um grande avanço, a gente não tem dependência. Agora temos um padrão, um conhecimento tecnológico que é mais do que suficiente para encarar o desafio. A gente tem desenvolvimento tecnológico, e o que faltava? Uma política de saneamento, que também veio e, junto com a política, vieram os recursos. Então o cenário está montado. Agora, devemos fazer isso com responsabilidade. Esse é outro grande cuidado. Todo mundo está fazendo muitas obras, implantando muitos sistemas, vocês aqui são um exemplo, mas isso tem que ser feito de maneira muito responsável, sustentável. O primeiro desafio vocês estão vencendo, o seguinte talvez seja maior ainda.
Vivemos um momento propício para os engenheiros; mas eles estão preparados e são suficientes para esse momento de expansão?
As ferramentas já estão disponibilizadas. O que peca ainda um pouco é reflexo dos anos perversos, das décadas de 80 e 90, que foi o desmantelamento das boas empresas de projeto. Hoje temos que formar novamente esse pessoal, qualificando-o em todas as áreas, desde projeto, construção, operação. Eu sou de uma época que muitos se formaram em engenharia e foram trabalhar no comércio, em bancos, porque o mercado não conseguia absorver. Perdemos essa parte da história. Muita coisa foi feita dentro do modelo Planasa, modelo militar. Depois, o Brasil ficou muito tempo sem fazer nada, ou de forma muito equivocada, por questões políticas. O empreiteiro pegava um financiamento, e falava para o prefeito: “Eu tenho dinheiro aqui, vamos fazer a estação?” O prefeito nem sabia o que era estação, mas tinha o dinheiro garantido. Ele fazia, mas tinha que dar a obra para o empreiteiro que tinha o dinheiro. Que modelo era esse? Uma estupidez.
Qual sua impressão sobre Joinville?
Eu gosto muito da região sul. Fiquei poucos dias aqui, mas Joinville me passa uma ideia de ser uma cidade muito boa para se viver, imagino que tenha uma qualidade de vida excelente. A realidade do sul do Brasil é bastante diferente da de Minas Gerais para cima, acho que até metade de Minas talvez não tenha muita diferença em termos de impacto de pobrezas, desafios. Mas sou muito otimista com relação ao avanço do saneamento, particularmente do esgotamento sanitário no Brasil.
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